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02/12/2025

Transporte intermunicipal vive crise e Fetronor alerta para possível colapso

FETRONOR

A realidade do transporte intermunicipal no Nordeste — especialmente no Rio Grande do Norte — é dura e vem se agravando há décadas. Quem faz a afirmação é Eudo Laranjeiras, presidente da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Nordeste (Fetronor).

Segundo ele, o sistema chegou a um ponto crítico devido à combinação explosiva entre gratuidades não custeadas, expansão do transporte clandestino, falta de fiscalização, ausência de políticas públicas de longo prazo e envelhecimento da frota.

O resultado é uma queda vertiginosa no número de empresas e ônibus em operação — situação que, se não for revertida, pode levar “ao fechamento total do setor”.

Eudo Laranjeiras afirma que as gratuidades — idosos, estudantes e pessoas com deficiência — comprometem diretamente a sustentabilidade financeira das empresas. As pessoas com deficiências representam 5% dos passageiros, os idosos somam 8% e os estudantes aparecem com a maior parcela nas isenções: 20% no intermunicipal (podendo ser mais em algumas regiões), totalizando 33% da clientela isenta de pagar passagem ou que paga com desconto.

Para Eudo Laranjeiras, o problema não é a gratuidade em si, mas quem paga por ela. “As leis foram criadas sem fonte de custeio. O idoso é um benefício federal, mas o governo federal nunca pagou. Os benefícios estaduais também não são custeados. Isso cai na tarifa, e quem paga passagem subsidia todo o resto”, explica Laranjeiras.

Segundo ele, a tarifa está defasada em mais de 50%, segundo cálculos do próprio Estado. Ao longo das décadas, de 1990 para cá, o número de empresas perfazendo o transporte intermunicipal caiu de 12 para 4, e algumas estão prestes a fechar.

O setor vive um encolhimento histórico. Nos anos 1990, circulavam 420 ônibus nas linhas intermunicipais, além de 80 ônibus fazendo as linhas metropolitanas. Hoje, são apenas 120 ônibus intermunicipais e 200 metropolitanos. Em 30 anos, o setor perdeu cerca de 300 ônibus e dois terços das empresas. “O empresário de 70 anos não desaprendeu. O que houve foi um desarranjo total do sistema por falta de fiscalização e de uma política clara, embora esse problema não seja exclusivo do Rio Grande do Norte”, analisa.

Para Laranjeiras, um dos fatores mais destrutivos é a proliferação do transporte irregular: táxis-lotação, vans sem cadastro e até veículos “semioficiais”, que não passam por vistorias nem pagam taxas. “Hoje, o clandestino é uma praga. Alguns são clandestinos mesmo, outros são registrados, mas não são fiscalizados. Eles tiraram o passageiro que é nosso, tiraram receita e contribuíram para o fechamento de empresas”, lamenta.

O Governo do Estado retirou o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da passagem e do óleo diesel — medidas recentes que ajudaram, mas que ainda não resolvem o déficit estrutural. Para ele, esta ação governamental aliviou um pouco, mas é insuficiente. “Se o governo pagasse as gratuidades, as empresas estariam fortes, com ônibus novos”, complementa.

Quanto aos empregos, o setor registrou – nos últimos 30 anos – uma redução de 40%. No auge, nos anos 90, havia 5,5 funcionários por ônibus. Hoje, são 2,5 — menos motoristas, menos cobradores, menos pessoal de manutenção e menos gente nos escritórios. Neste caso, a automação também contribui, mas o principal motivo é a queda da frota e da receita.
O mito do ônibus elétrico e o subsídio para a sobrevivência do setor

Sobre a transição para ônibus elétricos, Laranjeiras é categórico: no Brasil, ainda é inviável. Ele cita exemplos reais. No RN, ônibus elétrico não pode carregar por falta de capacidade na rede elétrica. Laranjeiras ressalta um caso positivo em Salvador (BA), no qual os ônibus elétricos funcionaram após o Estado instalar geradores a diesel para recarregar, que também, para ele, significa “um contrassenso completo”.

Para substituir 100 ônibus por elétricos, o investimento seria quase três vezes maior que renovar a frota a diesel Euro 6, que polui 95% menos que modelos antigos. “Temos que pensar no futuro. Mas se não cuidarmos do presente, não chegamos lá”, reforça. Ele defende uma política de renovação da frota com obrigação de desmanche dos ônibus antigos, para evitar que continuem circulando em outros Estados.
Subsídio

Laranjeiras defende subsídio permanente — não para as empresas, mas para pagar as gratuidades e equilibrar o sistema. Ele cita o exemplo de cidades como São Paulo (SP), que subsidia quase 50% do custo do transporte, somando mais de R$ 6 bilhões anuais. Hoje, mais de 150 cidades brasileiras adotam algum tipo de subsídio ao transporte público. “O passageiro não aguenta mais pagar. No mundo inteiro é subsidiado. Aqui, sem subsídio. O resultado: todo mundo quebra”, diz ele.
O novo Marco Regulatório: esperança de salvação

Eudo Laranjeiras deposita grande expectativa no Marco Regulatório do Transporte Público, já aprovado no Senado e prestes a ser votado na Câmara dos Deputados. Ele prevê fontes permanentes de custeio, modelo semelhante ao Sistema Único de Saúde (SUS), ou seja, universal, mas financiado por toda a sociedade.

Ele defende regras nacionais claras para Estados e municípios, trazendo mais segurança jurídica para as empresas. Caso o Marco Regulatório seja aprovado, o sistema pode se recuperar. Caso contrário, se não aprovado, a tendência é o transporte público entrar de vez em colapso.

Na avaliação de Eudo Laranjeiras, não se trata de fazer política com transporte, e sim fazer política de transporte. Ele reforça que o problema não é tecnológico, nem empresarial: é político.

“O serviço é do Estado, não é dos empresários. São eles que apenas operam. O Estado não fiscaliza, não subsidia, não regula e ainda joga a culpa na empresa. Assim não tem como sobreviver”, desabafa.

Para ele, o futuro do transporte público — ônibus, metrô ou qualquer modal — depende de decisão política séria e duradoura.

Foto: Arquivo

Do Jornal AGORA RN