A pandemia tornou aguda a crise que o transporte coletivo por ônibus vinha enfrentando com a redução da demanda de passageiros desde 1994. Demissões, paralisações no serviço, dificuldade de pagar salários, queda acentuada de demanda e outros impactos decretaram uma das maiores crises que o setor já enfrentou até hoje. Este foi o panorama trazido na abertura da programação de hoje, do Seminário Nacional NTU 2021 e Feira Lat.Bus Transpúblico, realizado pela NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos) esta semana, com encerramento amanhã (quinta-feira). De acordo com levantamento da Associação, um a cada cinco funcionários do setor perdeu o emprego na pandemia e a cada cinco dias houve uma paralisação do serviço porque as empresas não tinham condições financeiras de manter a operação.
Esse contexto inicial foi trazido no Painel 2: “O Transporte Público na UTI: impactos da pandemia na mobilidade e as ações de enfrentamento adotadas”, que abriu a programação desta manhã. Na sequência, o debate abordou o desequilíbrio entre a demanda e a oferta dos serviços de transporte coletivo, prejuízos acumulados, medidas emergenciais, soluções adotadas pelo poder público, empresas operadoras e desafios futuros. Matteus Freitas, coordenador do Núcleo de Transportes da NTU, apresentou o impacto da pandemia no setor e informou que houve uma redução 87.639 postos de trabalho nas empresas operadoras de transporte público, o que representa 21,6% de toda a mão de obra existente no setor em dezembro de 2019. “O setor de transporte de passageiros enfrenta a maior crise de sua história. Vivemos uma crise aguda [na pandemia] dentro de uma crise estrutural que dura 26 anos”, afirmou e destacou que entre os desafios futuros do setor destaca-se a criação do novo marco legal.
Segundo Matteus, o marco municiará o setor com ferramentas para enfrentar esse novo momento, o novo normal do transporte público. Isso passa pela construção de três pilares: da produtividade e qualidade; contratos e regulação; e financiamento, que vão permitir reter os clientes que já são cativos do transporte público e ajudar a conquistar novos.
Segundo o Anuário NTU 202-2021, abril de 2020 foi o mês mais impactado, com uma queda de 67,3% nas viagens realizadas por passageiros por ônibus urbano na comparação com 2019, equivalente a 2/3 dos deslocamentos realizados por passageiros pagantes antes da pandemia. Em outubro do ano passado, a redução observada foi de 35,4%. A perda de demanda resultou, segundo o Anuário da NTU, num prejuízo acumulado de mais de R$ 16,7 bilhões no período de março de 2020 a junho de 2021, o que agravou profundamente a crise que as empresas operadoras já vinham enfrentando mesmo antes da pandemia.
É importante registrar que a drástica redução de passageiros pagantes transportados verificada no último ano soma-se à tendência de expressiva queda observada nas últimas décadas. De 1994 a 2012, a queda da demanda de passageiros foi de 24,4%; e de 2013 a 2019, a redução foi de mais 26,1%, conforme registra o Anuário.
Desafios para a retomada
Segundo Levi dos Santos Oliveira, secretário-executivo de transporte e mobilidade urbana da Secretaria Municipal de Mobilidade e Trânsito de São Paulo (SP), em relação aos números anteriores à pandemia, a cidade de São Paulo já voltou com 91% das frotas de ônibus e recuperou 68% dos passageiros (abril/maio de 2021). O início da retomada, segundo o secretário, foi facilitado com a adoção de rigorosas medidas sanitárias para reduzir os riscos de transmissão de Covid-19 durante as viagens, somado ao avanço da vacinação na capital paulista. “A expectativa é que até o final do ano já tenhamos voltado com 85% da demanda”, afirmou Levi.
Fábio Ney Damasceno, secretário de mobilidade e infraestrutura do Espírito Santo, disse que a cidade analisou as frotas por meio de GPS – e foi observado, durante a pandemia, que retirar os ônibus do trânsito gera uma eficiência muito melhor dos serviços, reduzindo os custos operacionais. De acordo com Ney, medidas implementadas de maneiras associadas foram importantes para aumentar a eficiência do sistema como, por exemplo, a criação de faixas exclusivas de ônibus e o bilhete único para agilizar o embarque.
Para aumentar o distanciamento, o secretário informou que foram adotados horários escalonados dos comércios para dilatar os horários de pico. “Agora, o pico começa mais cedo, às 14h – e não mais se concentra todo no final do dia. Fizemos também o horário e tempo real dos ônibus, onde você informa previamente a população sobre o horário de chegada dos veículos, o que evita superlotar pontos e terminais”. Em determinados períodos da pandemia, as companhias de ônibus da cidade receberam subsídio por quilômetro rodado. O que estaria, segundo o secretário, mais de acordo da realidade da crise causada pela Covid-19, quando os ônibus rodam com muito menos passageiros. Dimas Barreira, mediador do painel, conselheiro da NTU e presidente do Sindiônibus (CE) reforçou essa fala e informou que acompanha o comitê de pandemia de Fortaleza e que lá também não há nada que leve à conclusão de que o transporte público é vetor da Covid-19.
Felício Ramuth, prefeito de São José dos Campos (SP) e vice-presidente de mobilidade urbana da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), ressaltou a importância do transporte coletivo urbano para a geração de emprego. Ele afirmou que uma única empresa de transporte de aplicativo em São José dos Campos, sem empregos com contratações CLT, obteve um faturamento de R$ 13 milhões em um determinado período. Já as três empresas de transporte coletivo urbano da cidade também geraram, no mesmo período, o mesmo volume de faturamento. Porém, empregando milhares de pessoas.
Ramuth também trouxe outro dado que chamou a atenção dos participantes do painel, revelou que na cidade foram realizadas pesquisas junto às pessoas que haviam sido contaminadas pelo vírus da Covid-19, se eram ou não usuários de transporte público. O índice de contaminação de usuário de transporte público fora o mesmo dos não-usuários. Para Ramuth, as medidas sanitárias implementadas de forma rigorosa no município e nos ônibus ajudaram a alcançar esses resultados. Cerca de 80% da demanda de passageiros já foi recuperada na cidade e os investimentos para a melhoria do transporte continuam, mesmo durante a pandemia. “Estamos colocando veículos 100% elétricos, implantando corredores e linhas exclusivas”, anunciou.
Para chamar à reflexão sobre pontos que precisam ser atacados para que o setor supere essa crise, Jurandir Fernandes, membro honorário da União Internacional de Transportes Públicos (UITP), foi enfático ao afirmar que em inúmeras ocasiões o tratamento dado ao setor ultrapassou o bom senso, obrigando muitos operadores a operar com a frota de antes da pandemia e até a operar com todos os passageiros sentados.
Jurandir também destacou que as empresas de ônibus coletivo urbano “por conta e risco estão buscando todas as formas de sobrevida”. Citou a busca por empréstimos para manter o serviço ao usuário, quando o Governo Federal é quem deveria estar em busca de solução para essa situação. Sugeriu ainda que a NTU envie ao novo Fórum Consultivo de Mobilidade Urbana, que acaba de ser criado pelo Governo Federal, a proposta do novo marco legal do transporte público, para que seja avaliado pelo Fórum.