Artigo publicado no site “Congresso em Foco”, edição de 20/06/23

O Congresso Nacional aprovou, no dia 24 do mês passado, o Projeto de Lei Complementar (PLP 93/23), que institui o novo regime fiscal no Brasil. A nova legislação deverá garantir a estabilidade macroeconômica e, também, criar as condições necessárias para a volta do investimento público e, consequentemente, para o crescimento do País.

O novo arcabouço fiscal, como ficou conhecido, tem como objetivo principal deixar claro para investidores, sociedade em geral e agentes internacionais como o governo vai equilibrar e manter sob controle as contas públicas e, ainda, realizar investimentos nos próximos anos. O principal balizador dessas normas é a fixação de uma trajetória consistente para o resultado primário do Governo Central, que são as receitas menos as despesas deste ente, descontadas as despesas financeiras com a dívida pública.

Em paralelo com as discussões sobre o novo regime fiscal, os debates sobre a reforma tributária já aconteciam na Câmara Federal com a expectativa de votação ainda no segundo semestre deste ano.

De acordo com documentos da Confederação Nacional da Indústria – CNI, a demanda da sociedade brasileira por uma reforma tributária existe há pelo menos três décadas. Em 1995, quando o termo “Custo Brasil” foi debatido pela primeira vez em um seminário realizado pela entidade, o cipoal tributário já era considerado o grande vilão do setor produtivo. Desde então, além da carga tributária ter subido de 27% para 33% do Produto Interno Bruto (PIB), o sistema de cobrança de impostos tornou-se ainda mais complexo.

Atualmente, existem duas propostas principais para a reforma tributária no Brasil. Uma é de autoria da Câmara dos Deputados (PEC 45/2019), que encontra-se sob análise de um Grupo de Trabalho, criado em fevereiro deste ano, para consolidar um texto a ser apreciado pelo Poder Legislativo. A outra proposta teve origem no Senado Federal (PEC 110/2019).

O Deputado Agnaldo Ribeiro, relator da PEC em tramitação no mencionado Grupo de Trabalho, já apresentou o seu relatório, que deverá embasar a elaboração do substitutivo da PEC 45/2019. O texto confirma a proposta dual, de substituição de tributos como PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS pelo Imposto sobre Bens e Serviços – IBS, que deverá ser complementado pela criação do Imposto Seletivo.

As contribuições apresentadas pela NTU, em audiência pública realizada em meados de abril, foram consideradas e o relatório traz a proposta de adoção de alíquotas diferenciadas, para casos específicos, de modo a evitar o aumento da carga tributária incidente nos bens e serviços. Dentre os exemplos que devem contar com esse tipo de tratamento, seguindo as práticas existentes em vários países, o texto destaca o transporte público coletivo urbano, semiurbano ou metropolitano.

A simplificação do sistema tributário nacional, conforme vem sendo discutida, parte do pressuposto da criação de um imposto único que substitua grande parte das regras tributárias vigentes. O Imposto sobre Bens e Serviços – IBS, que muito se assemelha ao conhecido Imposto sobre Valor Agregado – IVA, chegaria para simplificar o processo de cobrança e arrecadação, visando reduzir a insegurança tributária e conceder mais transparência ao processo arrecadatório.

A reforma tributária pode ter muitos impactos, uma vez que a tributação de bens e serviços é uma das principais formas de arrecadação de recursos pelos governos, e afeta diretamente os preços dos produtos e dos serviços consumidos. Um dos possíveis impactos é justamente a mudança na forma como os impostos serão cobrados e como a carga tributária recairá diretamente no consumidor final.

Na área dos transportes urbanos e interurbanos de passageiros, a incidência de tributos se dá sobre as instalações fixas (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU, Taxa de Conservação e Limpeza Pública – TLP, Taxa de Controle a Fiscalização Ambiental – TCFA, Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública – CIP e Taxa de Combate a Incêndio) e sobre a posse dos veículos e outros insumos veiculares (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de via Terrestre – DPVAT, Taxa de Renovação do Licenciamento Anual do Veículo – TRLAV, Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE, Programa de Integração Social – PIS e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS).

Além disso, a incidência dos tributos se dá sobre a folha salarial (Contribuição sobre a Receita Bruta e Encargos Sociais Complementares) e sobre a atividade econômica da empresa operadora (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS, Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, Taxa de Gerenciamento Operacional – TGO, Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, Programa de Integração Social – PIS e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS).

Embora a carga tributária não seja a mesma em todos os estados e municípios, na média, os tributos incidentes sobre as instalações fixas, sobre a posse dos veículos e insumos veiculares, sobre a folha de pagamento e sobre as atividades econômicas das empresas representam 0,95%, 21,09%, 48,48% e 29,48%, respectivamente, da carga tributária total incidente na prestação dos serviços de transporte urbano de passageiros.

Essa parafernália tributária, que recai sobre a cadeia produtiva dos serviços de transporte urbano e interurbano de passageiros, pode alcançar quase 52% do custo total da prestação dos serviços. É importante destacar que vários estados concedem isenção do ICMS sobre os combustíveis e lubrificantes, e vários municípios não cobram ISS sobre a prestação dos serviços de transportes urbanos.

Como o transporte coletivo é um serviço público essencial, nos termos do inciso V, do Artigo 30, da Constituição Federal, e considerado um direito social do cidadão, conforme o Artigo 6º da mesma Carta Magna de 1988, que deve ser prestado à população a preços módicos, ao longo dos anos, a atividade vem sendo desonerada de vários tributos. Vale citar a desoneração do IPI sobre os veículos (Lei Federal Nº 9.826/1999), a desoneração da folha de pagamento (Lei Federal Nº 12.546/2011 e a desoneração do PIS/PASEP e da COFINS (Lei Federal Nº 12.860/2013). Pode-se dizer que essas desonerações somadas reduzem em cerca de 10,57% a incidência total dos tributos sobre o custo da prestação dos serviços.

É importante destacar que se considerarmos todas as isenções e desonerações que são praticadas pelos estados e municípios, o setor de transporte público de passageiros é tributado em apenas 7,44% do custo da produção dos serviços, exceto as taxas e contribuições estaduais e municipais incidentes.

Atualmente, há um certo consenso de que é impraticável repassar o custo total da prestação dos serviços aos passageiros, ou seja, para que o transporte público possa ser atrativo e possa continuar sendo o meio preponderante de deslocamento da população das cidades de médio e grande portes, é fundamental que as empresas operadoras trabalhem com a máxima eficiência e que as cidades comecem a subsidiar os seus sistemas de transporte coletivo.

Nesse sentido, se a reforma tributária desconsiderar as atuais desonerações e isenções e a nova forma de tributação implicar em aumento da carga tributária sobre os elementos da mencionada cadeia produtiva dos serviços de transporte coletivo, com consequente aumento do valor das tarifas para o consumidor final ou necessidade de subsídio além da capacidade orçamentária dos municípios, para os transportes urbanos, e dos estados, para os transportes interurbanos, a prestação dos serviços se tornará uma atividade econômica como outra qualquer e deixará de ser um serviço essencial e estratégico, direito do cidadão e importante instrumento de organização do espaço urbano.

Assim, não se trata de pleitear privilégios, com a manutenção das desonerações e adoção de isenções e/ou imunidades tributárias para o setor dos transportes urbanos de passageiros, mas, sim, de considerar que, apesar de o setor contar com desonerações, qualquer acréscimo na carga tributária aumentará o custo da prestação dos serviços e, consequentemente, o valor das tarifas públicas pago pelos passageiros, para poder usufruir dos serviços prestados pelas empresas operadoras.

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(*) Francisco Christovam é presidente executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU, vice-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo – FETPESP e da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP, bem como membro do Conselho Diretor da Confederação Nacional dos Transportes – CNT.

 

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