No atual cenário de inflação alta, constantes reajustes de insumos, combustíveis e a pressão por melhorias nos salários de motoristas e cobradores, as tarifas do transporte público poderão subir até 50% em 2022. A estimativa, que também é um alerta, é da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), que pede mudanças nas políticas do setor para a subsistência do sistema de transporte público nas capitais brasileiras.
Em entrevista à Tribuna do Norte, Otávio Cunha, atual presidente-executivo da NTU, reforça a necessidade na adoção de um novo marco legal para o transporte público brasileiro com modernização das leis vigentes e garantia da desoneração da folha de pagamento. Diante do cenário, ele defende que prefeituras, governos estaduais e o governo federal atuem, de forma conjunta, seja com subsídios ou redução de tributos, para evitar o reajuste das tarifas.
Confira a entrevista:
A demanda atual de passageiros é, na média nacional, 37,3% menor que a do período pré-pandemia. Há alguma explicação para isso?
Sim, a retomada dos demais setores econômicos ainda não alcançou os patamares anteriores e temos grupos importantes de usuários, como o dos estudantes, que ainda não retornaram para a modalidade presencial em muitas cidades. O problema é que os ônibus coletivos vêm operando com oferta acima da demanda, então há um desequilíbrio financeiro muito grande para as empresas, obrigadas a colocar mais ônibus na rua para atender uma demanda que não cobre os custos da operação. E isso vem ocorrendo desde início da pandemia, que só agravou esse quadro, porque antes mesmo dos efeitos da Covid-19, o setor já ressentia da queda de passageiros. De 2013 a 2019 as empresas tiveram uma perda de 26% da demanda de passageiros, para se ter uma ideia de como a crise já existia antes da pandemia. Então, continua havendo déficit operacional.
Aqui em Natal diversas linhas foram encerradas por conta da pandemia. Apesar do retorno em 100% das atividades as empresas de ônibus apontam que ainda não têm condições de manter a operação no mesmo patamar de 2019. Qual a solução para isso?
A solução é o que o que boa parte do mundo já faz, especialmente nos países da Europa: separar a tarifa técnica, que é o custo da prestação do serviço, da tarifa pública, paga pelo passageiro. Se houver diferença entre custos e receitas, cabe ao poder público concedente cobrir isso. Assim, o serviço é prestado com a qualidade desejada, sem onerar tanto o passageiro. Isso contribui diretamente para trazer de volta a demanda perdida, que muitas vezes deixa de usar o transporte coletivo por falta de recursos para pagar a passagem. Além disso, temos também a proposta de reestruturação do serviço de transporte público com soluções para torná-lo mais eficiente e acessível ao passageiro de baixa renda, que mais precisa do serviço.
A NTU aponta para a necessidade aumento de 50% das tarifas de ônibus em todo o país. Só este reajuste é o suficiente para recuperar a atividade?
Só o aumento de tarifas não é suficiente para cobrir o prejuízo acumulado do setor, que atualmente está em R$ 21,37 bilhões. Tivemos aumentos do diesel de 65% este ano, e uma inflação que já alcança dois dígitos e vai impactar muito nos salários de motoristas e cobradores no ano que vem. Por outro lado, um aumento de 50% é inviável para o passageiro e nem as empresas querem isso. A questão é que o Governo Federal não está fazendo a parte que lhe cabe no atendimento emergencial do setor, deixando estados e municípios, que são os gestores dos contratos de concessão, sem recursos para assegurar a oferta desse serviço no país. Não há também investimentos em infraestrutura para o transporte público, que poderia tornar o serviço mais eficiente e rentável. Infelizmente, temos que fazer esse alerta para que o poder público esteja informado sobre o caos que se avizinha em 2022. E também mostrar a necessidade de ações urgentes para salvar o transporte público, mergulhado na pior crise da história. Mais que isso, também queremos mostrar que esse modelo de financiamento do sistema em que só a tarifa banca os custos do setor não se sustenta mais, como bem mostrou a pandemia. Tem que haver uma reestruturação completa do transporte público no país. Por isso o setor e todas as entidades ligadas ao transporte público chegaram a um consenso sobre a necessidade de criação do novo marco legal, que combina uma série de ações visando devolver a eficiência desse serviço, de forma transparente e a preços módicos.
A Prefeitura de Natal está modificando as linhas para aumentar o fluxo viário dentro dos bairros da capital, reduzindo longas viagens, criando divisões tarifárias (trechos curtos, valores menores). É este o caminho?
Existem vários caminhos para minimizar os desafios de ofertar um serviço como o transporte público. Uma atualização no desenho da rede de transportes e maior flexibilidade tarifária são, certamente, soluções a serem consideradas, especialmente porque a racionalização do sistema e os investimentos em infraestrutura impactam diretamente a fluidez do trânsito, o que é vital para elevação da produtividade do setor. Quando mais ágeis e eficientes as viagens, menos custos para as empresas e para os usuários.
Tribuna do Norte